Daniel Lopes da Silveira, preso por fingir ser policial federal/Foto: Reprodução/Redes Sociais
Ele saía de casa todo dia vestindo o uniforme da Polícia Federal, andava armado e de tempos em tempos passava uma semana fora de casa em operações, as quais narrava nos mínimos detalhes. Era carinhoso, educado, protetor e queria formar uma família.
Até que algum problema acontecia e ele precisava de uma ajuda financeira, normalmente de milhares de reais. Então começava a ficar explosivo, ciumento, agressivo, o que fazia as mulheres terminarem o relacionamento.
Foi assim que Daniel Lopes da Silveira, 38, atuou por ao menos três anos antes de ser preso pela Polícia Federal no último dia 24 de julho, no shopping Morumbi em São Paulo, segundo o relato de vítimas. O caso foi revelado pelo jornal Zero Hora.
Hoje detido na carceragem da PF em Porto Alegre, ele já havia sido preso uma vez e é acusado de estelionatos em ao menos quatro estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. São cerca de dez vítimas identificadas até aqui, com prejuízos que variam de R$ 15 mil a R$ 30 mil por pessoa, segundo a investigação.
Apesar de ele ter admitido se passar por policial federal, a defesa nega que o objetivo fosse obter dinheiro. "O Daniel nunca se apresentou como policial federal. Com o passar do tempo, quando questionado sobre sua profissão, daí então ele dizia ser PF, mas não utilizava desse artifício para conseguir dinheiro", diz sua advogada, Josiane Schambeck.
Ela também afirma que as quantias devidas eram apenas dívidas: "Ele pedia emprestado e acabava não conseguindo saldar. Porém tais dívidas devem ser dirimidas na esfera cível, no ponto de vista da defesa", alega ela, que entrou com um pedido de liberdade do cliente.
A história que mulheres que conviveram com ele contam, porém, é diferente.
"Conheci ele pelo Instagram em março de 2017. Ele se apresentou como policial federal, a gente conversou por um período, e em junho ele veio para Criciúma (SC) e me pediu em namoro. A esse ponto ele já ligava para conversar com a minha mãe. Minha família e meu filho gostavam muito dele", conta Carolina -os nomes foram trocados para não identificá-las.
A certa altura, ela, que é servidora pública estadual, decidiu pesquisar o nome do namorado no Portal da Transparência, mas não o encontrou. Daniel explicou que estava afastado por medidas administrativas e, até que o processo acabasse, ia vender um terreno que tinha em Gramado (RS) para ficar mais tranquilo financeiramente.
"A corretora ligou para ele na minha frente. Ele disse que precisava de dinheiro para arrumar a documentação desse terreno e falei que ia emprestar. Só que o tempo ia passando, a venda não se concretizava e ele dizia que ia sempre depositar no dia seguinte."
Foi aí que Daniel começou a ficar agressivo e ciumento. Chegou a pegá-la pelo cabelo e pelo braço porque ela estaria dando mais atenção à irmã do que a ele em seu aniversário. Também ligava para parentes ameaçando matá-la. Isso tudo durou apenas alguns meses, e ela terminou a relação em setembro.
Começou a puxar pessoas próximas ao ex para cobrar o prejuízo de cerca de R$ 40 mil. Achou uma prima nas redes sociais, que na verdade não era parente dele, e sim filha de uma outra vítima. Aí a ficha começou a cair, mas o sentimento era de impotência."Quando fiz uma ata notarial no cartório registrando tudo, eu vi na cara da menina que me atendeu uma expressão de 'como você foi cair nessa?'. Aí desisti de fazer a denúncia. Como eu vou numa delegacia prestar depoimento para um homem se eu já estou me sentindo uma idiota?"
Rede de vítimas Carolina só tomou coragem depois que conheceu quase uma dezena de outras mulheres que passaram pela mesma situação. Hoje elas têm um grupo no Whatsapp para dividir suas histórias e aflições, mas algumas não aguentaram o sofrimento de reviver o caso e acabaram saindo.
Uma está fazendo tratamento psicológico, outra ficou sem trabalhar por um ano, outras tiveram tanto medo que mudaram de cidade e até de país. Duas chegaram a ter uma filha com Daniel -uma ainda bebê e outra já adolescente.
Quem convenceu Carolina a denunciar foi Gabriela, uma das últimas vítimas do golpe -que também não quis ser identificada. Ela o conheceu em janeiro de 2018, em uma praia em Torres, no litoral do Rio Grande Sul, e em agosto resolveram alugar um apartamento juntos.
"Éramos um casal normal, conhecíamos as famílias, fomos construindo uma vida", conta a assistente social de Porto Alegre. "Até que um dia ele apareceu com uma história de um contêiner com roupas apreendidas pela PF."
Ele queria comprar o tal contêiner e revender as mercadorias, usando o lucro para adquirir os móveis da nova casa. Ela acabou emprestando R$ 15 mil, mas depois ele disse que a compra não deu certo. Gabriela nunca mais veria o dinheiro.
Fim da linha
Ela começou a descobrir a rede de mentiras no mês passado, quando entrou em contato com uma suposta amiga dele, também pelas redes sociais. Essa outra mulher então contou que na verdade morava com ele em São Paulo. Ele usava como desculpa operações da PF e problemas de família para manter duas famílias em estados diferentes.
Quando procurou a PF, Gabriela descobriu que não só Daniel não era policial como também já estava sendo procurado havia quase quatro meses, após uma outra denúncia. "Aí vieram em casa vasculhar as coisas, pegaram roupa tática, armas de airsoft [ele retirava a ponta laranja para parecerem de verdade], colete, camiseta da PF", conta.
Alguns dias depois de ela depor, ele foi encontrado no shopping e preso. "Fiquei sabendo que ele chora muito desde o momento em que foi preso, dia e noite." Segundo ela, até o delegado disse que Daniel "merecia um Oscar". "Ele contava das operações com muitos detalhes, você também ia acreditar."
Até hoje a mãe (supostamente) de Daniel liga para algumas das mulheres pedindo dinheiro e falando que a história toda é armação das ex-namoradas, de acordo com elas. Além da mãe, ele teria irmãos e um padrasto também coniventes.
Agora são três sentimentos, diz a outra vítima, Carolina, com a voz embargada ao telefone: "Alívio, mesmo sabendo que ele não vai ficar preso por muito tempo.Desespero, porque nunca mais vou ver um dinheiro que me faz muita falta. E culpa, porque se eu tivesse denunciado outras mulheres não teriam passado por essa situação."
"Não é a perda material que conta mais. Tu confiou nesse homem, construiu uma vida com ele. Tu não se apaixonou pela farda, se apaixonou pela pessoa. Descobrir que era tudo mentira não é nada fácil", desabafa Gabriela.
Via FolhaPE