Vídeo: Sofrimento com a seca não é exclusividade do Sertão em Pernambuco


A busca pela água não é tarefa exclusiva dos sertanejos. Os 71 municípios do Agreste pernambucano enfrentam os efeitos da seca severa, considerada a pior dos últimos 50 anos. Há 1,8 milhão de pessoas atingidas, o equivalente a um quarto de toda a população do Estado. Sem chuvas, as principais barragens secaram ou se aproximam disso. A Folha de Pernambuco percorreu mais de 400 km, visitando o centro e as comunidades rurais das cidades de Surubim, Cumaru, Belo Jardim, Pesqueira e Poção. Em todas elas, a escassez que deixa a terra rachada também extermina plantações e priva pessoas do direito a um bem vital. Tomar banho ou lavar roupas é luxo. A prosperidade desapareceu no entorno das barragens de Jucazinho, Pedro Moura, Bitury e Pão de Açúcar. A necessidade criou um circuito de compra e venda de água, onde quem tem dinheiro acaba levando a melhor. Se já não bastassem os problemas, o consumo sem tratamento é uma ameaça para doenças e pode levar à morte. O poder público assegura melhorias, mas para 2017. Já especialistas apontam a repetição de erros do passado.

As barragens secaram. Sobraram a terra rachada, prejuízos e sofrimento. Entre os quatro reservatórios vistos, Jucazinho, em Surubim, a 123 km do Recife, o mais importante deles e responsável pelo abastecimento de 11 cidades do Agreste, exibe o pior quadro. Dos 327 milhões de litros água restam apenas 632 mil, menos de 1% da sua capacidade de armazenamento. O paredão de 64 metros de altura da represa está exposto. Da extensão de 442 km da área inundada, o que restou da água da bacia do Capibaribe divide espaço com uma grossa camada de lama.

Os resquícios de antigas construções, antes submersas, voltaram ao alcance dos olhos. Nem mesmo as bombas de sucção conseguem captar água. A largura de uma margem a outra reduziu drasticamente, assim como a prosperidade da região. Nas casas, desde as margens da rodovia PE-90, os quintais já não exibem grandes plantações, fruto das dificuldades de irrigação. “Isso aqui mudou demais, parece um castigo”, diz José Ambrósio, 66, que mora a poucos metros do reservatório e por muito anos sobreviveu da pesca.

A alguns quilômetros dali, já no Centro de Surubim, o céu sem nuvens deixa o sol ainda mais causticante para os 55 mil habitantes. Quem não tem água nas torneiras depende da boa vontade de vizinhos que possuem poços artesianos. Eles acabam assumindo um papel de distribuição que deveria ser do poder público. A árdua tarefa é vencer as adversidades para conseguir sobreviver. A dona de casa Vilma Maria de Lima, 53 anos, lamenta: “Quando a água chega, não consegue ter grande serventia. É suja e tem um cheiro muito ruim. Chega até mesmo a espumar”, revelou.

A revolta se amplia pelas contas de água que continuam chegando e pesando no bolso. O valor médio é de R$ 60. “Às vezes abrimos as portas ainda de madrugada e caminhamos no escuro para encontrar uma forma de abastecer a casa”, reforça a aposentada Cecília Cabral, 74. Junto a reserva de água também estão imagens de santos católicos, em uma rotina de fé. “Só nos resta rezar para que a chuva venha.”

Pesqueira

Em Pesqueira, a 220 km do Recife, está a barragem de Pão de Açúcar. O equipamento, construído no início dos anos 1980, fica lotado em terras indígenas, afastadas do centro. Tem capacidade para cerca de 30 milhões de litros. Mas o volume atual não chega a 1,5 milhão. A estimativa é que o sistema pare a qualquer momento. Um mar de pedras tomou conta do antigo reservatório. Os barcos que antes transportavam pescadores estão abandonados às margens, destacando o cenário de esquecimento.

O advogado Jurandir Carmelo, 65, conhece de perto a realidade da terra. “Além da falta de chuva, temos a ausência do Estado e a falta de conscientização quanto ao desperdício”, elenca.

A água que vem do sistema corre a céu aberto até chegar à adutora, sendo passível de contaminação. No caminho passa por mulheres lavando roupa, assim como pastos de animais. A professora Auxiliadora Mendes, 63, sofre com a situação. “Junto baldes pela casa toda. A economia é total”, revela. A ajuda dos vizinhos que têm poço artesiano é fundamental. As mangueiras passam de uma rua para outra, por cima dos muros e telhados. Da forma que for possível. Quando chegam os caminhões, logo as vasilhas se espalham nas portas das casas. “É a chance de uma semana abastecida.”



Belo Jardim

Em Belo Jardim, a 200 km do Recife, a cidade de 75 mil habitantes viu o líquido desaparecer das torneiras por completo. Os dois principais reservatórios da cidade secaram. Na barragem de Pedro Moura Júnior, na entrada da cidade, nada restou dos 30 milhões de m³. Com capacidade para 17 milhões de m³, o reservatório Severino Guerra, mais conhecido como Bitury, também secou.

Lá, o chão úmido do entorno foi ocupado por pequenos roçados. É serviço de quem não têm água em casa, mas tenta plantar para sobreviver. “Lembro-me de quando a água chegava até bem perto da porta da gente. Além da falta de chuva, empresas e grandes indústrias retiravam demais”, lamenta o aposentado João Laurentino, 66, que mantém uma pequena plantação de alface, coentro e couve no entorno do Bitury.

O fim dos dois reservatórios foi sentido também nos municípios vizinhos, como Sanharó, Tacaimbó e São Bento do Una, que passaram a ser abastecidos só por carros-pipa. As latas d’água trazidas na cabeça se tornaram uma missão rotineira para Lídia Maria de Jesus, 71, há mais de 30 anos morando no local. “A gente aprendeu a conviver com as dificuldades”, admite. Ela e os demais moradores dependem de poços, a maioria perfurados por ONG’s que oferecem apoio.

Agricultura prejudicada

Quando tudo dá em nada, restam a decepção e a impotência. O trabalho de preparo da terra, seleção de sementes e o custoso plantio não tem conseguido mostrar bons resultados em Cumaru, cidade com apenas 17 mil habitantes, também dependente de Jucazinho. Agricultores amargam os prejuízos da falta de chuva, empiorada pela falha de estrutura para abastecimento.

O sol castiga a terra e não há um pingo que sobre para fazer a irrigação. Os pequenos agricultores acabam sentindo na mesa e no bolso.

O drama, que se estende por todo o município, não é diferente no roçado de três hectares pertencente a dona Teresinha Nascimento, 75 anos, que chegou ao sítio ainda criança. “Plantei milho, soja e feijão, mas tudo se perdeu. Tudo aqui piorou muito. Nem mesmo os animais tiveram o que beber”, contou, sem disfarçar a tristeza. Até o mato foi queimado pelo clima severo. Segundo ela, o apurado serviria para consumo próprio e também para a obtenção de uma renda extra na feira. “Nem mesmo um saco conseguimos retirar”, conta, lembrando os bons tempos, com a média de 300 quilos de grãos.

Nas propriedades maiores, as bombas de irrigação também foram desligadas, recorrendo ao serviço feito manualmente pelos trabalhadores. Mais sensíveis às condições climáticas, os legumes, frutas e verduras, quando não morrem, acabam perdendo a qualidade, reduzindo o valor de mercado. É o caso da horta de Francisco de Assis, 64. “A gente leva para feira e ninguém compra”, revela.

Da Folha PE

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