Um comentário em tom de brincadeira do presidente Jair Bolsonaro na última quinta-feira evidenciou o incômodo que há meses reina em gabinetes do Palácio do Planalto com a exposição do vice, Hamilton Mourão , na imprensa — considerada excessiva pelo chefe do Executivo. Felicitado por Bolsonaro pelo silêncio na última semana, Mourão já havia reduzido à frequência de entrevistas, praticamente diária nos primeiros meses do governo.
O próprio vice admitiu que o pedido para “diminuir um pouco a exposição” partiu de Bolsonaro. A declaração foi dada justamente na última entrevista, publicada pela revista “Crusoé” na semana passada. Segundo Mourão, o presidente também lhe recomendou manter um “perfil moderado nas coisas”, depois que ele foi “bombardeado por gente que seria nossos aliados”.
Aparições públicas ao lado de Bolsonaro, de quem afirma ser uma linha auxiliar, também rarearam.
— Até parabéns ao Mourão, está há uma semana aí sem dar declaração pra vocês, disse o presidente a jornalistas, aos risos.
A fala veio após questionamento se poderia escolher um vice evangélico na eventual disputa à reeleição, em 2022. Ele respondeu que não sabe e afirmou que não quer “queimar” o vice nesse momento.
Comandada por militares, a atual composição da equipe da assessoria de comunicação da Vice-Presidência expõe a guinada na estratégia de Mourão. O ex-chefe do órgão, um civil, foi exonerado há quase um mês, a pedido. Desde então, assumira o posto interinamente um coronel do Exército de perfil mais rígido.
Antes informal, a relação com a imprensa se tornou mais burocrática, sendo direcionada a contatos via e-mail, por exemplo. Segundo um auxiliar ouvido pela reportagem, o militar tem como missão dificultar contatos de Mourão com jornalistas.
Na última segunda-feira, um outro coronel, Sérgio Paulo Muniz Costa, foi nomeado para assumir a chefia da assessoria de Mourão. Em artigo no site do Clube Militar em abril, intitulado “Desagravo e alerta”, ele fez críticas indiretas ao ideólogo de direita Olavo de Carvalho, que disparava ataques ao vice-presidente e às Forças Armadas.
A declaração espontânea de Bolsonaro de quinta-feira chegou a surpreender aliados mais próximos, que entendiam a situação atual como estabilizada depois do recolhimento de Mourão. Na próxima segunda, no entanto, o vice deve viajar ao Rio para conceder uma coletiva de imprensa a correspondentes internacionais.
Desde a campanha eleitoral, declarações de Mourão causam dores de cabeça a Bolsonaro e seu entorno, por divergirem dos posicionamentos do presidente. Em meio a ataques públicos contra o vice em abril, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PSC) citou três episódios que o incomodaram: opiniões sobre a redução da pena do ex-presidente Lula, a renúncia do ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e a tentativa do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de “despetizar” o quadro de funcionários da pasta.
Filhos contemporizam
À medida que Mourão passou a falar menos, Bolsonaro aumentou a própria exposição. Nas últimas semanas, cresceu a frequência de entrevistas coletivas em eventos e viagens e no Planalto, a pedido do próprio presidente, além de transmissões ao vivo pelo Facebook — que já não se limitam às quintas-feiras.
Em entrevista à revista “Veja”, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse que o “general Mourão” desagradou aos eleitores de seu pai, “principalmente no início do mandato”, ao expressar opiniões especialmente sobre aborto e desarmamento. Eduardo reconheceu, no entanto, que o vice agora passou a fazer discursos “alinhados”.
O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) demonstrou mais complacência ao falar sobre o comportamento de Mourão, em entrevista à revista Época. Para o parlamentar, o vice às vezes “também dá as caneladas dele”, mas sabe da sua situação de subordinação.
— A declaração sobre o aborto deu um ruído um pouquinho maior, mas não é sinalização de deslealdade. É uma pessoa que tem muito a somar. Ele se comunica com segmentos que não são tão simpáticos a Bolsonaro, o que acho importante.
Via PE Notícias