A aldeia no campus: cotas e reparação histórica aos índios; índia petrolandense do Brejinho da Serra é destaque em reportagem especial do Leia Já

Paula Fernanda entrou por cotas indígenas em 2012, no curso de medicina veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) / Foto: Arquivo Pessoal

A tribo Pankararu é um grupo de indígenas que habita nas proximidades do Rio São Francisco, nos limites entre os municípios de Tacaratu e Petrolândia, em Pernambuco, com o Norte da Serra do Ramalho, na Bahia. E de lá são as origens da médica veterinária Paula Fernanda, 23 anos. A jovem hoje é mestranda da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), localizada no município de Ilhéus, mas seu trajeto educacional começou muito antes. O início de sua história com a ciência começou quando Paula fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2012. Ao se inscrever no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), a garota viu que poderia optar pela candidatura por cotas para indígenas.

Paula não pensou duas vezes e marcou a opção de cotista. Foi selecionada e aprovada para o curso de medicina veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), localizada no Recife. “Daí em diante procurei a documentação exigida para comprovação (indígena)", relembra. Essa documentação consiste em um padrão solicitado pelas instituições públicas de ensino superior e deve conter comprovante de baixa renda - composto pelos três últimos contracheques do estudante ou responsáveis, carteira de trabalho e saldo bancário -, reconhecimento de indígena pela Fundação Nacional do Índio (Funai), documento disponibilizado pela Funai contendo assinaturas de três lideranças indígenas e autodeclaração. 

O peso da aprovação carrega muito mais do que o ingresso no ensino superior, como também a oportunidade de ser um orgulho para seus familiares. Paula tem pele branca, mas a ancestralidade indígena é trazida consigo. Reconhecida como índia pela Funai, a jovem passou a infância e adolescência na cidade para poder estudar. “Mas todo final de semana eu estava na aldeia. Meu pai e tios moravam na aldeia, mas mudaram-se para a cidade junto com minha avó para terem estudos. Os homens da família precisavam ir para a aldeia cuidar dos bichos e das plantas”, explica. 

De baixa renda e oriunda de escolas públicas, Paula enfrentou dificuldades de aprendizado. Os relatos são de um ensino médio defasado e com diversas falhas, com desestímulo por parte dos próprios docentes. “Grande parte do que sei do ensino médio foi porque estudei sozinha em casa ou porque a universidade me forçou a voltar atrás para aprender, senão nunca eu ia acompanhar a turma”, revela. 

A luta para alcançar a aprovação veio de muito esforço, seguido do reparo oferecido pela Lei de Cotas, que dá a oportunidade de igualar pessoas em situações de vida distintas. Paula já presenciou situações que mostram a dura realidade da educação dos povos indígenas. “Já presenciei parentes chegando atrasados nas aulas, porque estavam trabalhando na aldeia, alguns desistindo dos estudos, pois precisavam trabalhar para ajudar no sustento da família, e mesmo conseguindo terminar o ensino médio, a única opção é trabalhar, porque não há universidade próxima, não há capital para investir em estudos”, lamenta. 

Para Paula Fernanda, sem as cotas não seria possível estar no ensino superior. “A cota me permitiu ingressar na universidade assim que terminei o ensino médio em escola pública, ajudou muito, pois mesmo estudando em casa todos os dias, eu não tinha um suporte educacional bom, então minha nota não foi tão alta”. A jovem também foi aprovada em biomedicina, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Também inserido no contexto indígena das cotas está João Victor Pankararu, de 21 anos. Victor foi aprovado no curso de farmácia na Universidade Federal de Sergipe (UFS). A escolha da graduação veio por meio das necessidades da aldeia. “Tentei por muitos anos medicina, mas não consegui. Então pesquisei e vi que existia outro curso que tinha uma ementa próxima da realidade que vivo com meu povo, que é o processo de cura por meio de plantas medicinais, o processo de reza, os remédios de naturais. A partir disso foi que eu pude perceber que havia cotas indígenas nessa universidade e foi onde eu optei”, relata.

Para Victor, as cotas vieram como uma reparação histórica e uma forma de igualar as necessidades e os anseios de quem divide a vida na aldeia e na cidade. “Hoje vemos profissionais capacitados e qualificados para atuar dentro dos seus povos - e nas sociedades não indígenas também -. E são oportunidades como essas que mostram novos horizontes aos indígenas. Essa, sim, é a maior forma de reparação histórica”, ressalta.  

A caminhada do estudante rumo à universidade começou na aldeia. Victor sempre morou em um vilarejo indígena localizado a 500 quilômetros do Recife, capital pernambucana, e a 240 quilômetros de Aracaju, em Sergipe. A educação regular foi dividida entre parte do município de Aracaju e parte do território da aldeia. “Convivi com o racismo estrutural, muitas vezes mostravam os materiais e os livros de história, sempre víamos os índios do Norte e os índios de outros países, mas nunca os índios do Nordeste, muito menos os índios da região”, lamenta. 

Acompanhe a reportagem completa AQUI.





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