Os eleitores mais pobres foram o alvo principal das mensagens do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro debate do segundo turno, na TV Band, em São Paulo, promovido por um pool de empresas — além da tevê paulista, o portal UOL, o jornal Folha de S.Paulo e a TV Cultura. A presença de apenas dois candidatos e as regras acordadas pelas equipes de campanha permitiram que o confronto transcorresse em ritmo ágil, sem muitas intervenções dos mediadores.
Bolsonaro pautou suas intervenções com o tema corrupção. Lula focou em seus oito anos de governo.
“Corrupto” e “mentiroso” foram adjetivos usados por ele ao longo de todo o programa. O ex-presidente vestia uma gravata em que predominavam listras verdes e amarelas e ostentava no paletó um broche da campanha contra abuso sexual de crianças e adolescentes. Bolsonaro apresentou-se de terno e gravata verde.
O debate começou com uma pergunta genérica para os dois candidatos sobre investimentos com um Orçamento limitado. Bolsonaro e Lula tiveram 1 minuto e 30 segundos para expor opiniões e propostas. Os dois disseram que é possível investir mesmo com recursos escassos. Mas foi Lula quem deu a primeira informação relevante: disse que o Congresso vai aprovar a reforma tributária “para taxar menos os mais pobres e taxar mais os mais ricos”.
A temperatura do programa se elevou quando os dois puderam participar de um debate franco, sem interrupções do mediador, cuja regra era apenas respeitar o tempo total de 15 minutos, que poderia ser administrado livremente. Ambos demonstraram habilidade, no primeiro bloco, para controlar o tempo. Lula mostrou-se mais à vontade no palco, caminhando em direção à câmera, enquanto Bolsonaro permaneceu estático. Saúde e pandemia, temperados com denúncias de corrupção de parte a parte, foram os temas mais explorados pelos dois, apesar de a primeira pergunta, feita por Lula, ter sido sobre quantas universidades e escolas técnicas federais Bolsonaro inaugurou no governo.
O presidente não respondeu e mudou o assunto para o auxílio emergencial. Disse que o Bolsa-Família “pagava muito pouco” e perguntou se o adversário “não ficava vermelho” ao defender “propostas mirabolantes”. Lula respondeu que a política de distribuição de renda do governo dele não se limitava ao Bolsa Família, e citou o aumento real do salário mínimo — que não foi feito no atual governo —, a instalação de cisternas no Nordeste e o apoio aos pequenos produtores rurais. No fim, repetiu a pergunta sobre a quantidade de universidades e escolas técnicas abertas pelo atual governo, emendando com a resposta: “Apenas uma, no Tocantins, mas ele não sabe”.
Bolsonaro rebateu citando a pandemia, tema que acabou dominando boa parte do bloco. Segundo ele, universidades e escolas ficaram fechadas durante a crise sanitária. E, rapidamente, rebateu com a informação do endividamento de mais de 1 milhão de jovens beneficiários do Fies, o programa de financiamento para estudantes. “O senhor endividou a garotada”, acusou Bolsonaro. Lula aproveitou o gancho e voltou com a discussão para pandemia, citando que o Brasil foi responsável por 11% de todas as mortes do mundo por covid-19 antes de perguntar sobre os motivos de as vacinas terem chegado com atraso no país.
Bolsonaro respondeu que o país foi o que mais vacinou no mundo, negou as acusações de corrupção na compra de imunizantes e declarou que o Brasil foi o país que melhor conduziu a crise sanitária. “Me preocupei com cada morte no Brasil”, disse Bolsonaro. Lula rebateu acusando o adversário de “carregar 400 mil mortes nas costas” — número que pesquisadores estimam de mortes decorrentes do atraso na aplicação de vacinas. Disse que o presidente “não acreditou na pandemia”, não visitou nenhuma família enlutada pela doença. Bolsonaro aproveitou uma das declarações para dar o primeiro golpe abaixo da linha de cintura.
O ex-presidente disse que perdeu uma sogra para a covid e ouviu do chefe do Executivo que o petista “fez discurso sobre o caixão da esposa (Maria Letícia) e, agora, lamenta no caixão da sogra”.
Na abertura do segundo bloco, em que as perguntas foram feitas exclusivamente por jornalistas do pool, Vera Magalhães levantou a tese de aumento do número de integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). No primeiro debate do primeiro turno, ela foi agredida verbalmente pelo presidente, que a chamou de “vergonha do jornalismo brasileiro”. Desta vez, Bolsonaro dirigiu-se a ela como “prezada jornalista Vera, satisfação em revê-la”.
Sobre o STF, ambos declararam que não pretendem encampar esse tipo de proposta, de aumento do número de integrantes da Suprema Corte. Enquanto Lula defendeu que presidentes “não podem ser amigos de ministros do Supremo”, e que estes devem ser escolhidos “por currículo”, Bolsonaro disse que, se eleito, vai ter duas indicações para fazer que, somadas às duas que fez neste mandato, “equilibra as forças” em relação aos cinco ministros nomeados nos governos petistas.
Orçamento secreto
Sobre as denúncias de uso político do Orçamento, Bolsonaro disse que “não tem nada a ver com orçamento secreto”. “Eu queria que esse orçamento estivesse na minha mão”, complementou. Lula falou em dar transparência aos recursos públicos e que vai se empenhar para adotar, no governo federal, o orçamento participativo, já praticado em administrações estaduais e municipais petistas.
Foi nesse bloco que as fake news entraram no debate e, também, o único momento em que se falou das polêmicas declarações de Bolsonaro sobre “pintar um clima” em relação a adolescentes venezuelanas. O próprio Bolsonaro levantou o tema, ao ler a decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, que proibiu a campanha de Lula e as redes sociais de publicarem a entrevista na qual Bolsonaro deu as tais declarações. “Me acusou de pedofilia, tentando me atingir naquilo que tenho de mais sagrado: defesa da família brasileira, defesa das crianças”, disse. Lula não polemizou sobre o tema.
Outro assunto que mobilizou os candidatos foi privatização, com destaque para a Petrobras. Lula se comprometeu com a manutenção da empresa como estatal. “Privatizar não é solução para nada”, declarou. Bolsonaro citou a pandemia e a invasão da Ucrânia como responsáveis pelo aumento dos preços dos combustíveis e negou interferência nas decisões da empresa.
O terceiro bloco repetiu o modelo do primeiro, com uma pergunta do mediador e, depois, 15 minutos para um embate direto. Dessa vez, Bolsonaro mostrou-se mais à vontade no palco e, várias vezes, aproximou-se do adversário para desfiar acusações. Lula administrou mal o tempo e, quando estourou os 15 minutos a que tinha direito, viu seu adversário com mais de 6 minutos para falar sem ser contraditado.
O petista conseguiu um minuto adicional, antes das considerações finais, no único direito de resposta concedido em todo o programa, que permitiu fazer alguns contrapontos e minimizar o prejuízo de ver Bolsonaro falando sozinho.
O presidente levantou, no encerramento do programa, temas da agenda conservadora de costumes, com declarações contra o aborto, a “ideologia de gênero”, tradição cristã e a política de armar a população civil como sendo para “autodefesa”. “Não queremos que nossos filhos, ao irem para a escola frequentem o mesmo banheiro, como quer o lado de lá”, “nós queremos um país sem drogas, o lado de lá quer liberar as drogas”, “pelo respeito à legítima defesa” foram algumas de suas considerações finais.
Ao concluir sua participação, o ex-presidente Lula disse que Bolsonaro “é o cara com a maior cara de pau para contar inverdades aqui”. Lembrou que foi ele quem sancionou a Lei de Liberdade Religiosa, disse: “quem defende a democracia e a liberdade sou eu, muito mais do que ele”. Ainda chamou Bolsonaro de “pequeno ditadorzinho que quer ocupar a Suprema Corte”. Os dois candidatos voltarão a se encontrar no dia 28 — antevéspera da eleição —, no segundo e último debate desse segundo turno, nos estúdios da TV Globo, no Rio de Janeiro.
Por Didi Galvão