Com estudo de impacto desatualizado e incompleto, ExxonMobil começa a perfurar poços na foz do São Francisco

A gigante americana de petróleo ExxonMobil recebeu do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o licenciamento ambiental e começou, no final de fevereiro, a perfurar poços na Bacia de Sergipe-Alagoas, bem próximo à foz do rio São Francisco. Porém, o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do chamado Projeto Seal – o mais recente investimento de uma petrolífera estrangeira em águas profundas brasileiras – foram construídos com base em informações desatualizadas e incompletas, dos pontos de vista técnico e também social.

O Ibama autorizou a perfuração de até 11 poços exploratórios, em seis blocos da bacia, numa área total de 4.531 Km2, com distância mínima da costa de aproximadamente 50 quilômetros, calculada pela localização do município mais próximo, Brejo Grande (SE). Com isso, a ExxonMobil vai conhecer as características das reservas de petróleo e gás ali existentes e avaliar o potencial de produção na região.

O licenciamento foi concedido sem que as comunidades tradicionais, que vivem e trabalham na região há gerações, tivessem sido “previamente consultadas, de forma livre e informada”, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Antes que a ExxonMobil recebesse o aval para iniciar os trabalhos, foi realizada somente uma audiência pública e que aconteceu em formato virtual, em setembro do ano passado. O que, naturalmente, é insuficiente diante do tamanho do Projeto Seal e dos potenciais impactos, ainda mais numa localidade em que nem todos têm acesso a uma boa internet.

Além disso, empresas contratadas pela ExxonMobil realizaram, em outubro, em diversos municípios da região da foz do São Francisco, treinamentos de resposta a emergências, simulando um vazamento de petróleo, sem que o Ibama tivesse autorizado, monitorado e supervisionado tais atividades.

A petrolífera está sendo acusada por organizações e movimentos sociais de utilizar estudos antigos, feitos pela Petrobras, onde constam dados de 2017 e que, portanto, nem levaram em conta o derramamento de petróleo na costa brasileira em 2019, um episódio de que a população nem se recuperou totalmente. O incidente atingiu mais de mil localidades em 11 Estados do Brasil, sendo nove deles no Nordeste, configurando o maior crime ambiental em extensão com petróleo do oceano Atlântico Sul.

A ExxonMobil foi a responsável pelo famoso “Maré Negra”, vazamento de petróleo no Alasca, em 1989, e que, até 2013, era classificado como o maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos.

Dados antigos e incompletos

No EIA/Rima apresentado pela empresa e aprovado pelo Ibama, nem todas as comunidades potencialmente atingidas foram mapeadas, tão pouco o que elas possuem de bens, serviços e pessoas. É o que explica o gestor ambiental e organizador de campanhas da 350.org, Renan Andrade. No sentido técnico, de acordo com os próprios termos de referência do Ibama, a modelagem hidrodinâmica e de dispersão deveria ter sido construída com base em informações meteorológicas e oceanográficas de dados primários (levantados pela própria empresa) e de no máximo um ano. Mas, no EIA/Rima, os dados são secundários (produzidos por terceiros) e mais antigos do que esse prazo.

É a 350.org, uma organização global que atua contra as mudanças climáticas, que tem dado, junto com outras organizações brasileiras da sociedade civil, entre elas o Conselho Pastoral dos Pescadores, apoio técnico e jurídico ao Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe, que luta pela lisura desse processo ambiental e pela proteção dos territórios.

Em dezembro, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou uma série de informações oficiais ao Ibama com relação ao EIA/Rima do Projeto Seal. O corpo técnico do MPF apurou que o Estudo de Impacto Ambiental não contempla alternativas ao projeto nem considera se o empreendimento é compatível com planos e programas governamentais, descumprindo, assim, o que prevê o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

A ExxonMobil também teria omitido alguns impactos indiretos, como, por exemplo, do funcionamento de máquinas a diesel e o aumento no risco de extinção de espécies terrestres e marinhas em diversas regiões do planeta. Esses impactos vinculados à perfuração marítima também teriam sido ignorados na definição dos limites geográficos da área de influência do Projeto Seal.

O EIA/Rima também não propõe nenhuma medida para diminuir a emissão de gases do efeito estufa pelas embarcações nem para reduzir o aumento de possíveis colisões com animais marinhos (pelos navios) e aves (pelos helicópteros), tampouco apresenta justificativa para não mitigar esses impactos.

E ainda: entre os diversos pontos levantados pelo MPF, está o fato de que o relatório não detalha nenhum impacto ambiental, não descreve o efeito esperado de nenhuma medida mitigadora nem diz quais impactos negativos não poderão ser evitados. A procuradora da República Juliana de Azevedo Santa Rosa Câmara também questiona a confiabilidade de algumas informações apresentadas pela ExxonMobil, pois o EIA/Rima não comprova se os métodos de cálculos dos riscos e tolerabilidade têm fundamento científico nem se eles foram aprovados por especialistas independentes.

A ExxonMobil apresentou uma licença de operação expirada em 2020 para uso da base de apoio em Niterói (RJ), para onde os rejeitos serão levados e temporariamente armazenados. Também faltou apresentar informações sobre a outra base de apoio marítima, no Porto de Maceió. O Ibama foi cobrado por isso. Na visão do MPF, o material teria ainda deixado de citar evidências e dados importantes da literatura ambiental e teria apresentado informações genéricas e contradições ao longo de seus diversos capítulos.

“São muitas desatualizações e falhas nesse estudo. Existem muitas lacunas”, frisa Renan, avaliando ainda que o prazo dado para que as comunidades e a sociedade como um todo debatessem as questões foi muito curto diante dos potenciais impactos do projeto.

Via PE Notícias 

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