'Não foi uma ação de dispersão, foi uma ação de violência', diz vereadora do Recife agredida com spray de pimenta pela PM durante protesto

Vereadora do Recife Liana Cirne (PT) durante entrevista nesta segunda-feira (31) — Foto: Reprodução/TV Globo

"Eu vi que não era um comando para dispersar. Era um comando para brutalizar, ferir os manifestantes. Quando eu cheguei à Ponte Princesa Isabel, o ato já havia sido dispersado por força da ação policial truculenta. Já havia sido dispersado, os manifestantes estavam correndo, fugindo, pedindo socorro, literalmente. Então, não foi uma ação de dispersão, foi uma ação de violência".

A declaração é da vereadora do Recife Liana Cirne (PT), que foi agredida com spray de pimenta por policiais militares no sábado (29), durante um protesto contra Jair Bolsonaro (sem partido), no Centro do Recife (veja vídeo abaixo). A vereadora foi socorrida para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) dos Torrões, na Zona Oeste do Recife, e teve alta no mesmo dia.

A polícia também atirou balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes no sábado. Dois homens foram atingidos nos olhos e perderam parte da visão. O comandante da operação e quatro policiais militares envolvidos na agressão à vereadora foram afastados, segundo o governo estadual.

Nesta segunda-feira (31), a vereadora contou que não participava do protesto, mas tinha disponibilizado o telefone para prestar assistência jurídica para quem sofresse repressão policial durante o ato. Após receber ligações, foi para o local.

"Eu fui para prestar assistência jurídica aos potenciais detidos, para saber para qual delegacia seriam encaminhados. Esse é um procedimento de praxe da advocacia ativista", explicou.

Segundo a vereadora, quando passava pela Ponte Princesa Isabel a caminho da Avenida Guararapes, ela avistou manifestantes e policiais.

"Eu imediatamente desci do carro somente com a minha carteira de vereadora. E era possível ouvir a sirene da polícia, era uma perseguição. Os manifestantes já vinham desde a Rua do Sol fugindo, tentando se proteger", recordou a vereadora.

Antes de ser atingida pelo spray de pimenta, Liana contou que havia pedido para os policiais pararem de atirar contra os manifestantes e também para se identificarem.

"O mesmo policial que veio me atingir continuou atirando diretamente contra os manifestantes, sem responder nada. Um outro policial o puxou pelo ombro, eles entraram na viatura e eu fui atrás: [disse] 'eu quero a sua identificação, eu vou abrir um procedimento, parem de atirar'. E aí foi quando ele disparou um jato longo de spray de pimenta diretamente no meu rosto, a menos de um palmo de distância", disse.

Professora do curso de direito há 25 anos, Liana disse ter formado "centenas de policiais" e ressaltou ser amiga de diversos ex-alunos. "Eu sei que o que aconteceu ali foi um procedimento completante inadequado. Eu acredito sim no diálogo, mesmo numa situação de tensão", declarou.

No sábado (29), a vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos (PCdoB), afirmou que a dispersão do protesto, que ocorria de forma pacífica, não foi autorizada pelo governo do estado. Liana Cirne cobrou a responsabilização.

"O conjunto de vídeos e documentos audiovisuais que temos sobre os fatos nos demonstram que houve um comando. A ação teve uma inteligência, ou seja, ela teve um planejamento. [...] As agressões policiais obedeceram a um comando e nós precisamos investigar que comando foi esse e de quem foi esse comando", disse a vereadora.

O secretário de Justiça e Direitos Humanos do estado, Pedro Eurico, repetiu nesta segunda que a ordem não partiu do governador Paulo Câmara (PSB), mas disse que não há uma Polícia Militar paralela em Pernambuco.

Ainda segundo o secretário, foram abertos um inquérito policial de lesão corporal gravíssima e um inquérito policial militar para investigar a atuação da polícia no sábado (29).

Em nota, a Secretaria de Defesa Social afirmou, nesta segunda, que os nomes dos policiais afastados não foram divulgados "em cumprimento à Lei de Abuso de Autoridade, que veda a divulgação de nomes de pessoas que respondem a processos criminais ou administrativos". Além disso, a secretaria reforçou que as investigações seguem "dentro da legalidade e com isenção".

Ministro repudia ação da PM

Através de uma postagem no Twitter na manhã desta segunda-feira (31), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), repudiou a repressão da PM ao protesto realizado na capital pernambucana no sábado (29).

"As cenas de truculência e brutalidade da ação policial em Recife causam imensa preocupação com o despreparo das forças para lidar com manifestações de grande porte, que tendem a se tornar frequentes em 2022. Dois homens que sequer manifestavam perderam um olho. Até quando?", declarou, na postagem.

Protesto era pacífico

O ato do sábado (29) foi organizado por centrais sindicais e movimentos sociais em uma mobilização nacional que promoveu manifestações em todo o país contra Bolsonaro e a favor da aceleração de medidas de prevenção à Covid-19, como a campanha de vacinação e auxílio emergencial de, ao menos, R$ 600.

No Recife, os manifestantes caminhavam com faixas com dizeres como "estou na rua porque Bolsonaro recusou mais de 150 milhões de vacinas" e "fora Bolsonaro genocida", e estavam organizados em filas, para tentar respeitar um distanciamento social mínimo e prevenir o contágio pela Covid-19.

Por volta das 11h30, a manifestação chegou à Ponte Duarte Coelho. No local, a Polícia Militar começou a dispersar os manifestantes. Bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha foram atiradas pela PM contra os participantes do ato, ferindo até quem não estava no protesto.

Houve correria e gritaria e, ao menos, três pessoas foram socorridas para o Hospital da Restauração. Um deles, Ednaldo Pereira de Lima, de 58 anos, foi atingido na perna, mas teve alta na manhã do domingo (30).

Os outros dois homens foram atingidos nos olhos pelas balas de borracha atiradas pelos PMs. Nesta segunda-feira (31), Daniel Campelo da Silva, de 51 anos, e Jonas Correia de França, de 29 anos, foram socorridos para o Hospital da Restauração, na área central do Recife.

O cantor Afroito foi arrastado e detido por policiais militares durante o protesto, sendo liberado após pagar fiança de R$ 350. A manifestação terminou por volta das 13h.

Do G1/PE

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