Sarí Côrte Real e Sérgio Hacker são ex-primeira-dama e prefeito de Tamandaré, no Litoral Sul de Pernambuco — Foto: Reprodução/TV Globo
A Justiça do Trabalho em Pernambuco condenou Sari Corte Real e Sérgio Hacker ao pagamento de R$ 386.730,40 por danos morais coletivos. Os dois eram patrões de Mirtes Renata, mãe de Miguel Otávio, de 5 anos, que morreu em junho de 2020 ao cair do prédio em que o casal mora, no Recife.
A decisão foi tomada a partir de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). A sentença do juiz substituto José Augusto Segundo Neto, da 21ª Vara do Trabalho, saiu na sexta-feira (12).
Sari Corte Real e Sérgio Hacker ainda podem recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6)., na capital pernambucana. Como se trata de ação civil pública, o dinheiro não vai para a mãe de Miguel e será depositado em um fundo da Justiça do Trabalho.
A ação cita o vínculo de Marta Santana, avó de Miguel, com a prefeitura de Tamandaré, mesmo trabalhando como empregada doméstica na casa do ex-prefeito Sérgio Hacker. Além disso, trata de uma "discriminação estrutural que envolve as relações de trabalho doméstico".
O nome de Mirtes Santana, mãe de Miguel apareceu no Portal da Transparência de Tamandaré como funcionária comissionada da prefeitura desde 2017, ou seja, também havia vínculo com a prefeitura mesmo sem atuação no serviço público municipal (veja vídeo acima).
Na decisão, o magistrado considera que "atentou-se contra o meio ambiente do trabalho, direito de todos [...] e essencial à qualidade de vida". O juiz também considera que houve um dano em potencial causado à sociedade.
A ação civil pública pedia o pagamento de R$ 2 milhões e a indisponibilidade dos bens dos réus devido ao dano moral coletivo.
O montante a ser pago por Sari Corte Real e Sérgio Hacker "equivale a duas vezes o prejuízo estipulado pela Controladoria do Município”, de acordo com a decisão do juiz.
O que dizem as defesas
O advogado de Sari Corte Real, Ricardo Varjal, afirmou que ainda não foi notificado sobre a decisão da 21º Vara da Justiça do Trabalho. Ele disse, ainda, que é preciso esperar a chegada da documentação para saber qual será a atitude tomada. “Vou me reunir com meus clientes para saber se a gente vai recorrer da decisão”, afirmou.
O defensor disse que, desde o início, contestou a tese de dano moral coletivo no caso envolvendo Sari e Sérgio Hacker. “É uma questão que tentamos demonstrar durante a instrução”, disse.
Já a advogada de defesa de Mirtes e Marta, Karla Cavalcanti, celebrou a decisão da Justiça do Trabalho.
"É uma vitória não só para Mirtes e Marta, mas para uma coletividade, para a estrutura da relação empregatícia entre o empregador e o serviço doméstico. Essa ação do MP não visa somente a condenar uma atitude em específico [...], mas sim ensinar à coletividade", afirmou.
De acordo com os dois advogados de defesa, o montante a ser pago por Sari Corte Real e Sérgio Hacker não deve ser encaminhado a Mirtes e a Marta Santana, mas sim ao Ministério Público do Trabalho.
O G1 entrou em contato com o MPT, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Caso Miguel
Miguel Otávio tinha 5 anos de idade e morreu ao cair de uma altura de 35 metros no Recife — Foto: Reprodução/TV Globo
Miguel Otávio de Santana, de 5 anos, morreu no dia 2 de junho de 2020 ao cair do nono andar de um condomínio de luxo no bairro de São José, no Centro do Recife. O menino estava sob os cuidados de Sarí Corte Real, ex-patroa de sua mãe e ex-primeira-dama da cidade de Tamandaré. A mãe do garoto, a doméstica Mirtes Renata, tinha saído para passear com a cadela dos patrões.
No dia em que Miguel faleceu, Sari foi levada para a delegacia e chegou a ser presa em flagrante, mas pagou fiança de R$ 20 mil para responder ao processo em liberdade.
Depois de um mês da morte da criança, a Polícia Civil indiciou Sari por abandono de incapaz que resultou em morte (veja vídeo acima). Na época, o delegado Ramon Teixeira entendeu que Sari cometeu um "crime preterdoloso" — o termo se deve ao fato de o crime praticado pela indiciada ser diferente do que ela havia inicialmente projetado cometer. A pena pode ser de quatro a 12 anos de prisão.
No dia 14 de julho, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) denunciou Sari pelo crime tipificado no indiciamento apresentado pela polícia. O MPPE entendeu, também, que era necessário solicitar o agravamento da pena, uma vez que o crime foi praticado contra criança e em meio à conjuntura de calamidade pública, na pandemia da Covid-19.
Em 3 de dezembro de 2020, foi realizada a primeira audiência de instrução criminal na 1ª Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente da Capital.
Foram ouvidas oito testemunhas de acusação, incluindo a mãe e o pai de Miguel, Paulo Inocêncio, e a avó da criança, Marta Santana. Sari Corte Real compareceu, mas não chegou a ser interrogada, como estava previsto.
Outras duas testemunhas foram ouvidas nas comarcas de Tamandaré e em Tracunhaém, no interior de Pernambuco, através de carta precatória. Uma nova audiência de instrução deve ser marcada pela Justiça, ainda sem data definida. Só depois desta audiência o magistrado deve proferir a sentença.
Do G1/PE