Sem evidências de que seja eficiente contra a Covid-19, mas com forte apelo político, a cloroquina e seu derivado, a hidroxicloroquina, são as drogas mais estudadas em pacientes acometidos pela doença causada pelo novo coronavírus no mundo. Um em cada três testes em humanos experimentam a cloroquina -e o Brasil está entre os países com a maior quantidade dessas pesquisas.
Na prática, a ciência busca drogas já existentes no mercado para doenças novas porque o desenvolvimento de princípios ativos leva muito tempo. Para a Covid-19, há registro de 475 estudos com diferentes fármacos em pacientes. Desses, 145 pesquisam cloroquina ou hidroxicloroquina -usadas originalmente para tratar malária. Para se ter uma ideia do que isso significa, a segunda droga mais testada para Covid-19 no mundo, o antibiótico azitromicina, integra 45 experimentos com pessoas.
Essas informações estão na base internacional Clinical Trials, que agrega dados sobre testes de medicamentos em pacientes globalmente -como local, quantas pessoas serão pesquisadas, duração do experimento e metodologia (exemplo: um grupo recebe a droga e, outro, o placebo, que é uma pílula sem medicação).
Ao todo, 35 países já registraram pesquisas clínicas com cloroquina contra Covid-19. Quem lidera a lista são os Estados Unidos, com cerca de um terço desses testes (há 45 pesquisas com cloroquina em pacientes de Covid-19 em andamento no país).
As pesquisas com o antimalárico ganharam fôlego nos EUA a partir de 19 de março, quando o presidente daquele país, Donald Trump, disse que a droga tinha potencial para "virar o jogo" da pandemia -contra a opção do isolamento social. Na ocasião, havia apenas um registro de teste dessa droga contra Covid-19 nos EUA, realizado no dia anterior.
A fala de Trump jogou um holofote sobre a droga e seu derivado. Quando os EUA já somavam 25 registros de experimentos com cloroquina em humanos, em 8 de abril, o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA (CDC, em inglês) retirou do seu site orientações para médicos sobre o uso dessa droga em pacientes acometidos pela doença.
Depois, no dia 24 do mesmo mês, a FDA, agência norte-americana que regulamenta medicamentos, publicou um aviso contra o uso da cloroquina para Covid-19 diante de notificação de efeitos colaterais graves da droga. Nessa época, os EUA já contabilizam 38 testes de cloroquina com humanos -e o número só aumentou. Desde então, os EUA registraram, em média, uma nova pesquisa por dia para testar cloroquina em pacientes de Covid-19.
Entre os dez países com mais estudos clínicos com cloroquina, o Brasil tem o maior percentual de participação da droga no total de fármacos investigados. Há 12 testes de drogas em andamento contra Covid-19 por aqui. Mais da metade (sete) experimentam o antimalárico com 2.820 pacientes. O primeiro deles foi registrado em 23 de março -quatro dia após o discurso de Trump e dois dias depois de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mandar o exército brasileiro intensificar a produção de cloroquina.
Em números absolutos, além dos EUA, que lideram, o Brasil só perde em quantidade de testes de cloroquina com pacientes para a França, que registra 16 experimentos.
O apoio político de Trump à droga, aliás, tem base em um estudo francês publicado em meados de março pelo microbiologista Didier Raoult, diretor do IHU (Instituto Hospital Universitário Méditerranée Infection), na cidade de Marselha.
O trabalho, no entanto, foi criticado por cientistas do mundo todo. Tinha uma amostra pequena e não seguiu o chamado "duplo-cego" (na qual um grupo de pacientes recebe, sem saber, placebo). No experimento, os seis pacientes que pioraram (um deles morreu) foram excluídos dos resultados publicados.
Também estão em testes com pacientes brasileiros de Covid-19 o metotrexato (usado para tratamento de câncer, só tem sido testada no Brasil), o antiviral galidesivir, o corticosteroide dexametasona, metilprednisolona (usado, por exemplo, como coadjuvante para artrite) e o vermífugo nitazoxanida -cujos bons resultados em células foram anunciados com entusiasmo pelo ministro Marcos Pontes (Ciência).
Não há registro, no Brasil, de pesquisas clínicas com o antiviral remdesivir, que recebeu na sexta-feira (1º) autorização emergencial do FDA para uso clínico para Covid-19 sob argumento de que pode acelerar a recuperação dos pacientes. A droga aparece em apenas 3% dos experimentos com pacientes globalmente. Um terço dos testes tem sido feito em associação com a cloroquina e seu derivado.
Por: Folhapress