Para Bráulio Bessa Uchoa, criador do vídeo “Nordeste Independente”, viral nas redes sociais, “preconceito sofrido pelo povo nordestino faz parte do cotidiano de milhares de pessoas”. “É muito fácil julgar o voto de um povo pobre dirigindo uma Hilux até o escritório de sua empresa”, diz
Por Vinicius Gomes
No mesmo dia em que as redes sociais foram contaminadas pelo discurso de ódio aos nordestinos – consequência da vitória de Dilma Rousseff (PT) na maioria dos estados da região, assim como também no Norte – o vídeo-resposta de Bráulio Bessa Uchoa, “Nordeste Independente”, se tornou viral em questão de horas. Nele, o cearense começa lendo algumas pérolas de internautas que no ápice de sua xenofobia, intolerância e desrespeito ao próximo, afirmavam que “nordestinos só foram feitos para comer farinha, fazer filho e receber bolsa-família” ou desejavam que, assim como na Síria ou no Iraque, ocorresse uma “guerrinha” no Nordeste, sem mencionar o “ser humano” torcendo para que um surto de ebola ocorresse na região, livrando assim “o Brasil dessa merda”.
A resposta do “cabra”, neto de sapateiro e filho de costureira que cresceu correndo descalço no chão de terra batida da pequena Alto Santo, àqueles que sugerem um muro separando o Nordeste do resto do Brasil – ao melhor estilo Apartheid – foi tão avassaladora, que enquanto essa matéria está sendo redigida, as curtidas e os compartilhamentos no Facebook aumentam a cada minuto, ultrapassando a marca dos 33.400 e 132.400, respectivamente. Você pode assisti-lo logo abaixo da entrevista desse poeta, escritor e ator que há três vem lutando pela valorização da cultura nordestina “nesse tal de Facebook”.
Fórum – Te surpreendeu o discurso de ódio contra nordestinos propagado nas redes sociais logo após o resultado das eleições no domingo, considerando que nas eleições de 2010 tivemos o caso de Mayara Petruso, que indignou o Brasil?
Bráulio Bessa - Não. O preconceito sofrido pelo povo nordestino faz parte do cotidiano de milhares de pessoas, o resultado das eleições apenas deixa os preconceituosos mais à vontade para praticar esse crime. Nosso povo já nasce dentro de diversas adversidades, somos acostumados a lutar, e esse preconceito é bem menor que nossa história, nossas raízes, nossa cultura e nossa gente.
Fórum - Acredita que esse discurso de ódio pode ter tido influência da declaração de alguns atores políticos, como o ex-presidente FHC, que afirmou na manhã de segunda que o PT cresceu nos “grotões do país” pois conta com os votos dos “menos informados”?
Bráulio Bessa - Sim. Muita gente “caga” pelos dedos na internet, as pessoas pensam que é um território sem lei, inclusive algumas pessoas que se julgam intelectuais e donos da verdade. O nordestino foi e é peça fundamental para a construção desse pais e não merece ser tão maltratado pelas “elites” em momento algum.
Fórum - Em sua opinião, por que a população do Sul-Sudeste ainda enxerga o nordestino como alguém sem senso crítico ou opinião política – uma pessoa que é facilmente manipulada por programas sociais como, por exemplo, o Bolsa Família?
Bráulio Bessa - O voto de um “doutor” tem o mesmo valor do voto de um agricultor. Cada um tem suas convicções. É muito fácil julgar o voto de um povo pobre dirigindo uma Hilux até o escritório de sua empresa. Acredito que cada um vota de acordo com o que julga melhor para o Brasil, inclusive o nordestino.
Fórum - Você gerencia a página “Nação Nordestina”, que em 3 anos já possui mais de 1 milhão de curtidas. Sobre o que se trata essa página?
Bráulio Bessa - A Nação Nordestina surgiu em Alto Santo, uma pequena cidade do interior do Ceará, e mostrando todo o poder das redes sociais (principalmente quando usadas para o bem) a página hoje é considerada o maior movimento virtual na divulgação da cultura nordestina no mundo. O foco principal sempre foi combater o preconceito, porém, mostrando o que o Nordeste tem de melhor, a culinária, a música, o artesanato, a literatura, o dialeto e principalmente, o povo. Como sempre falo em minhas palestras, “O melhor do Nordeste é o nordestino.”
Fonte:http://www.revistaforum.com.br/